sexta-feira, 18 de setembro de 2009

ESCALAS DE GRANDEZA ESPACIAL NO ESTUDO GEOMORFOLÓGICO I

Tricart, no seu tratado metodológico de geomorfologia (Principes e méthodes de la Geomorpholoqie), faz a seguinte análise classificatória dos fatos geomorfológicos, segundo escalas de grandeza definidas por categorias especiais de fatos:

Primeira ordem de grandeza (ou escala global) — abrangendo grandes áreas. Ë mais relacionada à Geofísica. Considera as formas da terra (sic) como um todo e a sua maior divisão em terras e águas. O estudo está no nível dos antagonismos: forças internas (divisão entre continentes e bacias oceânicas) e externas (divisão em zonas morfoclimáticas). Escala de 106 anos em tempo.

Segunda ordem de grandeza definidas pelas unidades estruturais, que caracterizam as subdivisões das grandes zonas morfoclimáticas do globo. Regiões de escudos antigos, dorsais, faixas orogênicas, bacias sedimentares. Também definidas pelas subdivisões ecológicas das zonas morfoclimáticas: meio glaciar e periglaciar da zona fria; meio permanentemente úmido e de savanas da zona intertropical. Dimensão da ordem de milhões de quilômetros quadrados. Os problemas ainda são focalizados em conjunto e sob o aspecto tectônico-estrutural e pelo aspecto global das formas, sob diferenças morfoclimáticas.

Terceira ordem de grandeza unidades menores. Dezenas de milhares de quilômetros quadrados. A paisagem é estudada do ponto de vista de sua evolução, com ênfase nos estágios de desnudação. As pequenas unidades estruturais são focalizadas nesse tipo de abordagem: maciços antigos da Europa Herciniana, bacias sedimentares brasileiras.

Quarta ordem de grandeza — corresponde a unidades de centenas de quilômetros quadrados.

São ainda analisadas do ponto-de-vista estrutural. Trata-se de pequenas unidades estruturais dentro de unidades maiores, regiões de compensação isostática que se individualizam em áreas de tendência oposta. Exemplo, o maciço de Poços de Caldas no Planalto da Mantiqueira: os Pré-Alpes franceses na Cadeia Alpina, a fossa da Limagne no maciço central francês.

Quinta ordem de grandeza — unidades de alguns quilômetros quadrados de superfície. São relevos que se estudam bem em mapas na escala de 1:20.000. Exemplo: escarpas de falhas: relevos de cuesta localizados: anticlinais: sinclinais, cristas apalachianas, etc. Essas unidades se manifestam pela ação da litologia e da erosão diferencial.

Enquanto as unidades superiores correspondem principalmente a forças tectônicas, essas correspondem a influência estrutural passiva. A erosão desempenha aqui o papel principal. Na mesma escala estão pequenas formas esculturais ou de acumulação: circo glaciar, bacia de recepção, morainas, deltas médios.

Sexta ordem de grandeza — superfície de centenas de metros quadrados. Raramente são acidentes tectostatícos. Nessa escala o modelado se individualiza, principalmente, pelos processos erosivos e por condições várias criadas pela litologia. Formas como: tálus, patamares, colinas, cones de dejeção, etc. As influências tectônicas não aparecem de maneira direta

Sétima ordem de grandeza — são as microformas. Escala do decímetro ao metro Relação muito estreita com os processos de esculturação ou de deposição. Formas como lapiez, taffonis, placas de descamação, matacões, etc.

Oitava ordem de grandeza — Formas menores que 1 km2, podendo ir do milímetro ao mícrom. As observações são feitas com aparelhos. Essa escala corresponde ao limite do campo da geomorfologia. Mas o estudo dessa dimensão é indispensável para a análise dos processos e identificação dos mecanismos morfogenétlcos. Trata-se, antes, de objetos da sedimentologia e pedologia, mas, cujo conhecimento e estudo se faz necessário para a Geomorfologia. Em se tratando de formas: poros de rochas, picotamento de corrosão química etc.

A aplicação dos métodos será feita de acordo com as ordens de grandeza dimensional. Exemplo: métodos de análise sedimentológica para fatos de 8ª ordem de grandeza; a cartografia geomorfológica só é válida até escalas de 1:25.000. Os métodos geofísicos não explicariam as diferenças entre flancos de um mesmo vale, mas se enquadrariam bem nas escalas iguais ou superiores a 4ª ordem.

Essa classificação taxonômica e genética constitui um instrumento para esclarecer relações de causalidade entre fatos diferentes.

Fonte: PENTEADO, M.M. Fundamentos de Geomorfologia. Rio de Janeiro: FIBGE, 1980.3ª ed.p.8-9

TENDÊNCIAS RECENTES EM GEOMORFOLOGIA

Algumas das tendências significativas das últimas décadas são: 1) uma tendência para que a geomorfologia, ao menos nos EUA, seja mais geológica que geográfica como resultado de: a) um acréscimo da aplicação de outras fases da geologia nos estudos geomórficos, como por exemplo da mineralogia no estudo do intemperismo; de métodos estratigráficos em paleogeomorfolgia e as técnicas paleontológicas nos estudos dos depósitos glaciais; e b) um declínio do interesse do geógrafo pela geografia física, à medida que aumenta sua dedicação à geografia humana; 2) o desenvolvimento da geomorfologia regional, a qual tenta dividir os continentes em áreas de características e história geomórfica similares; 3) um reconhecimento crescente das aplicações práticas dos princípios geomórficos a campos tais como hidrogeologia, pedologia e geologia aplicada à engenharia; e 4) o alvorecer da etapa quantitativa e experimental com ensaios de aplicação das leis da hidrodinâmica para um conhecimento melhor dos processos geomórficos. Tanto nos Estados Unidos como em outros países, foram instalados laboratórios experimentais nos quais se tem tentado determinar com a maior precisão a aplicação das leis hidráulicas à ação das ondas, as correntes e os rios. Nestes laboratórios, os engenheiros têm realizado mais trabalhos que os geólogos, com o resultado de que o êxito de alguns trabalhos ainda não tenha sido compreendido em sua totalidade pelos geomorfólogos.

Ninguém põe em dúvida a necessidade de incrementar as tarefas quantitativas no campo da geomorfologia. Demasiadas conclusões foram deduzidas de dados quantitativos inadequados. Existe certo perigo, que deve ser reconhecido e previsto, nas exigências de alguns para uma geomorfologia quantitativa. Devemos tomar cuidado para que a geomorfologia não seja tragada pela matemática, a física e a química, que deixe de ser o estudo das formas do relevo terrestre. Às vezes, as formas e as equações elaboradas podem parecer um complemento à erudição, a uma discussão, mas contribuem pouco para a interpretação real das características descritas. Devemos evitar a idolatria da discussão matemática. Na realidade é questionável que os numerosos fatores variáveis envolvidos na origem das paisagens complexas possam alguma vez ser reduzidos a equações matemáticas. Como disse Baulig (1950), “as leis da geomorfologia são complexas, relativas e raramente suscetíveis de expressão numérica”. É de pensar que para o entendimento das discussões geomórficas jamais será o mais essencial o conhecimento da matemática, da física e da química que a avaliação cabal da litologia, da estrutura geológica, da estratigrafia, da história diastrófica e da influência climática.

FIM DO TEXTO.

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DEPOIS DE HUTTON

Depois de Hutton

Progresso na Europa – Charles Lyell (1797–1875) chegou a ser o representante máximo do uniformitarismo e, através de suas séries de livros-texto, provavelmente fez mais pelo progresso desse princípio e do conhecimento geológico em geral do qualquer outra pessoa. No entanto, não pode aceitar o significado total da erosão fluvial, tal como foi concebida por Hutton, por que, na décima primeira edição de seus Principles of Geology (1872) encontramos a seguinte manifestação: “É provável que poucos grande vales em qualquer parte do mundo tenha sido escavado pelas chuvas e águas correntes somente. Durante pare de sua formação, os movimento subterrâneos prestaram seu auxílio, acelerando o processo de erosão”.

Na Europa, um dos progressos mais significativos do século dezenove foi o reconhecimento da evidência de uma idade glacial durante a qual mantos de gelo cobriram a maior parte da Europa setentrional. A pessoa a quem geralmente se atribui o mérito de haver estabelecido este fato é Louis Agassiz (1807-1873). Talvez seu maior mérito seja o de haver estabelecido sua validade, mas várias pessoas, a quem raramente se lhes atribui tal mérito, anteciparam suas conclusões. A idéia de que os glaciares alpinos haviam existido em um tempo mais amplo era comum entre os camponeses suíços, que observavam morenas nos vales por sob as partes terminais dos glaciares atuais. Playfair, ao efetuar uma viagem aos montes Jura em 1815, reconheceu a possibilidade de que grandes blocos ali presentes pudessem ter sido transportados por glaciares alpinos. Em 1821, um engenheiro suíço, de apelido Venetz, manifestou sua crença de que os glaciares alpinos haviam existido em um tempo muito mais amplo, e em 1824, Esmark, na Noruega, expressou as mesmas idéias referente aos glaciares neste país. Em 1829, Venetz lançou a opinião de que provavelmente os glaciares se estenderam até as planícies baixas. Bernhardi publicou na Alemanha, em 1832, um trabalho no qual supunha a presença anterior de mantos de gelo continental. Em 1834, um colega de Venetz, John Carpentier, deu a conhecer um informe no qual concordava com as conclusões de Venetz. Foi principalmente de vido a Carpentier que Agassiz mostrou interesse pela glaciação. Era cético referente às conclusões a que se havia chegado, mas convinha visitar a área na qual Venetz e Carpentier haviam estado trabalhando. Em 1836 visitou o setor e, ainda que chegasse cético, quando regressou era um convertido às idéias de Carpentier. Convenceu-se de que não havia chegado suficientemente longe em suas conclusões. Em 1837 leu um trabalho ante a Sociedade Helvética, a essência do qual se publicou em 1840 como Estudo sobre os glaciares; nesse trabalho proclamou seu conceito de um grande período glacial. Sobreveio certo distanciamento entre estes dois homens porque Carpentier acreditava que Agassiz deveria Ter postergado a publicação de seu trabalho até houvesse aparecido o seu, o que não ocorreu senão em 1841. Embora bem pudesse haver alguma dúvida referente a se se deverá proclamar a Agassiz como o pai do conceito de glaciação continental, não há dúvida alguma de que foi devido a seus esforços infatigáveis que finalmente se reconheceu o fato da grande idade do gelo. Já em 1870 sua validade estava bastante aceita, e se começava a reconhecer a multiplicidade da glaciação, embora a oposição a esta idéia continue até muito tarde como 1905.

A importância da abrasão marinha foi considerada com ênfase por geólogos tais como André Ramsay (1814-1891) e o Barão von Richthofen (1833-1905). Ramsay descreveu o que acreditava ser uma planície de abrasão marinha no higlands de Gales e sudoeste da Inglaterra, e Richthofen apoiou a idéia da importância da erosão marinha baseada em testemunhos observados duranrte suas viagens pela China.

Jukes, em 1862, apresentou um trabalho, que com o tempo resultou clássico, sobre os rios do sul da Irlanda, no qual reconheceu a presença de dois tipos principais de cursos: rios transversais, que fluem através da estrutura geológica, e os rios longitudinais, que se desenvolvem ao largo das falhas de rochas mais frágeis, paralelas à estrutura ou ao rumo dos estratos de rochas. Acreditava que os sulcos longitudinais se desenvolviam posteriormente aos rios transversais e, por conseguinte, deveriam ser reconhecidos como rios subseqüentes. Estas idéias, como veremos logo, tornaram-se básicas na filosofia do desenvolvimento dos rios. Também reconheceu que aparentemente um curso podia privar a outro de parte de sua bacia mediante um processo que agora denomina-se captura.

Livros de texto que por seu fim se podem considerar geomórficos começaram a aparecer no último terço do século dezenove. Em 1869, Peschel tentou unir os princípios do desenvolvimento das formas do relevo de maneira sistemática, e tentou essencialmente uma discussão genética delas. Richthofen, em 1886, logrou um avanço maior nesta realização. A. Penck, em 1894, publicou sua Morfologia da Superfície Terrestre, que é principalmente um tratamento genético das formas do relevo terrestre. Assim, na Europa. Ao findar o último século, se havia acumulado uma quantidade suficiente de conhecimentos como para dar lugar a um ramo especial da geologia denominado geologia fisiográfica.

Desenvolvimento nos Estados Unidos da América. Zittel (1901) refere-se ao período situado entre 1790 e 1820 como “a idade heróica da geologia”. Bem podemos nos referir ao período entre 1875 e 1900 como “a idade heróica da geomorfologia norte americana”, porque durante este quarto de século se desenvolveu a maioria dos grandes conceitos deste ramo da geologia. Em grande parte estas eram conseqüências diretas ou indiretas do trabalho de um grupo de geólogos relacionados aos levantamentos geológicos do oeste dos Estados Unidos, iniciados depois da guerra civil. Em particular podem ser mencionados três homens, que realizaram trabalhos intelectuais pioneiros no campo geomorfológico. Foram eles o major John Wesley Powel (1834 –1912), Grove Karl Gilbert (1843–1918) e Clarence E. Dutton (1841–1912). Estas pessoas, junto com outras, prepararam coletivamente o fundamento sobre o qual posteriormente William Morris Davis edificaria o conceito de ciclo geomórfico.

Não é demasiado dizer que o major Powel, veterano da guerra civil e o primeiro conquistador dos rápidos traiçoeiros do cañyon do Colorado, sobre a base de seu trabalho nas mesetas do Colorado e dos montes Uinta, estabeleceu os fundamentos para a escola norte americana de geomorfologia. Davis ao descrever as contribuições de Powel, manifestou que em mais de um sentido “era um homem de vanguarda dentro da ciência. Sua vida revela o trabalho enérgico de uma personalidade vigorosa e independente, não travada pelos métodos tradicionais e não tão profundamente versado em história, nem no conteúdo e nas técnicas das ciências, como para ser guiado por eles, mas impelido até o descobrimento rápido de novos princípios por inspiração de regiões até então inexploradas”.

Sobre a base dos seus estudos nos montes Uinta, Powel foi impressionado pela importância da estrutura geológica como uma base para a classificação das formas da crosta terrestre. Dedicou muita atenção aos resultados da erosão fluvial e propôs duas classificações de vales fluviais: 1) baseado nas relações entre os vales e os estratos que cruzam; e 2) uma classificação dos vales de acordo com a sua origem. Nesta última classificação reconheceu vales antecedentes, conseqüentes e sobreimpostos, termos que todavia hoje são empregados amplamente ao descrever vales. Das generalizações de Powel, provavelmente a de difusão mais ampla é seu conceito de um nível limite de redução terrestre, ao que denominou nível de base. Antes de Powel, ninguém havia se aventurado a considerar a esculturação do terreno por chuvas e rios mais além do que hoje denominamos de maturidade avançada no ciclo geomórfico, mas Powel reconheceu que os processos de erosão, que atuam lentamente sobre o terreno, eventualmente haveriam de reduzi-lo a um a terra baixa pouco acima do nível do mar. Ficou para Davis sugerir posteriormente a denominação peneplanície para tal área, mas a idéia de peneplanície foi antecipada em grande parte por Powel. Além disso, reconheceu que as grandes discordâncias nas rochas do Grand Cañyon do Colorado registravam períodos geologicamente antigos de erosão terrestre. Powel também notou as diferenças geomórficas entre as escarpas resultantes da erosão e produzidas por deslizamentos de rochas (escarpas de falhas, como se denomina hoje em dia). Reconheceu que os divisores de águas migram, mas ficou para Gilbert dar-se conta cabal de todas as conseqüências deste fato.

G. K. Gilbert merece reconhecimento como o primeiro geomorfólogo verdadeiro produzido nos E.U.A. Ainda que suas crenças fossem universais, estava interessado antes de tudo na geologia fisiográfica. A ele somos devedores por sua aguda análise dos processos de erosão subárea e as numerosas modificações que os vales sofrem à medida que os rios erosionam o terreno. Reconheceu particularmente a importância da erosão lateral dos rios no desenvolvimento dos vales. Seus estudos dos entulhos hidráulicos de mineração, na Califórnia, representaram uma das primeiras tentativas de aproximação quantitativa das relações entre a carga de um rio e fatores tais como volume, velocidade e gradiente do mesmo. Sua interpretação da história pleistocênica do Lago Bonnevillle, o antecessor do Grande Lago Salgado, a partir de um estudo de suas linhas de margens e desagues, perdura como um dos clássicos da geologia norte americana. Igualmente famosa é sua explicação dos Montes Henry, em Utah, como resultado da erosão de corpos intrusivos, aos quais denominou lacólitos. Foi o primeiro a citar provas geomórficas a origem de um bloco de falha da topografia da região da Grande Bacia.

Dutton é lembrado especialmente por sua análise penetrante das formas terrestres individuais e seu reconhecimento de evidências de um período de redução terrestre que precedeu a incisão dos canyons presentes, quando a paisagem havia sido reduzido a um relevo baixo na área da meseta do Colorado. Esta época erosiva foi denominada de “a grande denudação”

Davis – “o grande definidor e analista”. O efeito de W. M. Davis (1850–1934) sobre a geomorfologia foi maior do que a de qualquer outra pessoa. A escola davisiana de geomorfologia e a escola norte americana são denominações praticamente sinônimas. Basicamente, Davis foi um grande definidor, analista e sistematizador. Antes de seu tempo, a descrições geomórficas se faziam em sua maioria em termos empíricos. Ainda mais importante do que os numerosos conceitos novos que ele introduziu está o fato de que inspirou vida nova à geomorfologia pela introdução de seu método genético de descrição das formas do terreno. Provavelmente seja lembrado mais pelo seu conceito de ciclo geomórfico, uma idéia talvez vagamente vislumbrada por Desmarest, cuja análise mais simples inclui o conceito de que na evolução das paisagens há uma seqüência sistemática de formas do relevo que torna possível o reconhecimento de estados de desenvolvimento, uma seqüência que ele denominou de juventude, maturidade e velhice ou senectude. Sua idéia de que as diferenças nas formas da crosta são em sua maioria explicáveis em termos de diferenças na estrutura geológica, processos geomórficos e estado de desenvolvimento, arraigou firmemente no pensamento da maioria dos estudiosos das formas do relevo.

Durante a terceira e quarta décadas do século vinte, Walter Penck e seus discípulos levara a cabo uma rebelião contra algumas das idéias de Davis, encontrando alguns adeptos. Na maior parte do seu desenvolvimento da idéia de ciclo geomórfico, como este é afetado pela água corrente, Davis supôs que um levantamento inicial relativamente rápido do terreno pode ser seguido por um período de estabilidade, o qual permite ao ciclo seguir seu curso, culminando com a redução do terreno a uma condição quase sem relevo. Penck e outros sustentaram que esta não é uma seqüência normal, mas que mais comumente o levantamento do terreno no começo de um período de ascensão é extremamente lento, sendo seguido por um grau acelerado de soerguimento, o qual impediria a paisagem de passar através dos estágios de desenvolvimento que terminariam numa região de relevo baixo. Vários geólogos norte americanos, particularmente os da “faixa móvel” da costa do Pacífico, têm sido céticos com respeito à suposição de que a superfície terrestre alguma vez tenha se mantido estável por tempo suficiente como para permitir a um ciclo proceder sua conclusão.

Apesar da objeções que tem surgido a algumas das idéias de Davis, na realidade não se pode negar que a geomorfologia provavelmente conservará sua marca por mais tempo que a de qualquer outra pessoa.

Fenneman (1939) descreve brevemente as diversas etapas pelas quais tem passado o pensamento geomórfico nestas palavras:

O entendimento do trabalho da chuva e da água corrente pode ser considerado em três etapas, ou quatro, se contamos a concepção primitiva das “serras perpétuas” que ainda hoje domina o pensamento de muitas pessoas… Seguiram três avanços: primeiro apareceu o simples fato universal da degradação tal como era conhecida por algumas pessoas do mundo antigo e outros até o século dezoito. Logo veio a proposição audaciosa de que os rios cavam seus próprios vales. Parece muito simples, mas significa que a topografia é principalmente esculpida e não edificada (isto é, é talhada e não levantada). Alguns gregos, romanos e árabes perceberam isto, e James Hutton, que faleceu em 1797, o compreendeu claramente. Seu amigo e intérprete, John Playfair, o expressou numa prosa ainda não superada, embora fosse algo nebuloso para Lyell ou para nós. Até então no mundo geológico (até onde o soubemos) este princípio não deixou de ser discutido desde o tempo da guerra civil. A duras penas pode ocupar seu lugar entre os dados fundamentais da ciência quando chegou a terceira etapa, na qual a água em movimento não atua ao acaso, esculpindo vales ao azar e deixando colinas distribuídas de maneira fortuita, mas que trabalha de acordo com um padrão cujas especificações são características como as costuras de um nautilo [molusco do oceano Índico] ou a nervura de uma folha. Esta é a etapa da fisiografia moderna ou geomorfologia.

Certamente Davis desempenhou o papel principal na consecução desta última etapa.

Deste resumo do desenvolvimento da idéias geomórficas sobressaem duas coisas. A primeira, é que podemos denominar o elemento tempo. Muitas idéias deixaram de ser aceitas no momento de ser propostas porque estavam “adiantadas em relação ao seu tempo”. Como exemplo disto, podemos tomar os vários séculos que precederam a Hutton. Várias pessoas (Palissy, Perrault, Buffon, Desmarest e outros) tiveram os germes da idéias modernas, mas suas idéias não puderam ser levadas a uma conclusão lógica ou esperar um auditório disposto a recebê-las embora o “clima intelectual” da época fosse desfavorável. A aceitação da capacidade dos processos erosivos para modelar a superfície terrestre foi impossível enquanto se considerasse a idade da Terra como de uns 6.000 anos aproximadamente. Até que nascesse o método indutivo com sua dependência da observação e da experimentação antes que de autoridade reconhecida, idéias semelhantes às sustentadas por Hutton não tiveram muita possibilidades de ser tomadas a sério.

Segundo, podemos notar que, embora comumente atribuímos algum conceito novo a uma pessoa, encontramos que quase sempre o trabalho básico tem sido realizado por outros, que na maioria dos casos não recebem o crédito merecido. Pode ser conveniente pensar que o desenvolvimento do pensamento geológico é devido a uns poucos homens, mas não devemos perder de vista que na realidade é o resultado da contribuição de inúmeros indivíduos.